domingo, 15 de fevereiro de 2009

A PROPÓSITO



“A institucionalização do novo a qualquer preço conduz ao seguinte impasse: se o texto que não rompe normas é em si previsível, também é previsível o texto que as rompa na obediência ao rompante estatutário prescrito pela gramática do novo.”

Antonio Carlos Secchin in João Cabral: a poesia do menos


A palavra vanguarda foi usada historicamente em dois momentos da literatura no século: nos anos 10 e 20, tínhamos as vanguardas europeias, que serviram de base para o Modernismo brasileiro, e ,nos anos 60, as vanguardas poéticas. As últimas, criadas por um pequeno número de escritores, foram assimiladas ou diluídas. E não faz mais sentido dizermos que o Concretismo ou a Poesia Práxis são vanguardas, no sentido militar do termo, ou seja, aquilo que está à frente. A inovação trazida pelos anos 60 já perdeu sua surpresa há muito tempo. E como já foi dito, já podemos falar no museu das vanguardas.
Verdade é que nenhum momento foi tão inovador na história da nossa literatura quanto os anos 20. Encontra-se lá a maior ruptura e todos os poetas posteriores têm uma dívida para com esta década. Não quero dizer que lá também esteja a melhor produção poética brasileira. Pelo menos não acho.
O Modernismo inicial, que correspondeu às vanguardas de lá de fora, exerceu maior e duradoura influência sobre as gerações seguintes do que as vanguardas de 60. Diria mais: o expressionismo, o cubismo e o surrealismo, por exemplo, ainda são em 2009 fontes abundantes para a criação literária, ao contrário do concretismo e seus contemporâneos.
A obsessão pelo novo, para estarmos na ordem do dia e sermos considerados in pela mídia, revela uma atitude adolescente do encantamento pela novidade de forma artificial. E normalmente é a aparência do novo que seduz os escritores iniciantes e sem leitura das séries literárias anteriores.
É claro que a originalidade é um valor da arte do século XX e um anseio legítimo dos escritores, mas quem ousaria apontar um poesia inteiramente original neste início de século? Sabemos que não há mais vanguardas e que todas as obras feitas se relacionam, nem que seja parodisticamente, com as obras anteriores.
Costumo dizer que originalidade é a combinação autoral dos recursos literários já existentes. Guimarães Rosa é um bom exemplo, e talvez o mais radical de nossa literatura.
A expressão “gramática do novo”, usada por Secchin, denuncia que o novo, ou o suposto novo, corre o risco de já ter sido gramaticalizado e, portanto, perdido o seu efeito de estranhamento. Parece-me que no final do século passado surgiu um medo da repetição ou desdobramento das obras já reconhecidas, o que levou a poesia para a prosa em vários casos.
Caro Albee, não é só da Virginia Woolf que alguns têm medo. Muitas vezes a poesia, com medo do espelho e com vergonha de ser poesia, se maquila de novo e acredita em sua aparência, feita de blush e rouge.


Marcus Vinicius Quiroga

2 comentários:

  1. Muito legal cara.
    A verdadeira herança dessa revolução deveria ser a liberdade de criação e não a escravidão a um novo paradigma.
    Isso me lembra a resposta de uma escritora (Não lembro agora quem ou onde). Se se preocupava com orginalidade? -Não. Tento ser genuína que é bom lembrar é anagrama de ingênuo.
    Não é interessante, pensar na relação entre genuíno, ingênuo e liberdade criativa?

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  2. O mestre Quiroga ataca outra vez e nos provoca com questões com as quais nós poetas dormimos, carregamos nos ombros, empurramos com a barriga, mas sem ainda as encarar de frente para uma compreensão adequada, construtiva e definitiva em prol de um fazer poético ao mesmo tempo livre e pertinente a uma geração e cultura imersas no vapt-vupt alucinante e multifacetado da modernidade.
    Abraços poéticos.
    Vera Versiani.

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