terça-feira, 27 de julho de 2010

III





Este talvez seja um bom momento para falarmos sobre a diversidade temática, não só falando dos chamados temas eternos e universais, como dos circunstancias e particulares. Podemos mostrar que, embora certos temas não sejam exclusivos de épocas ou estilos, de alguma forma os caracterizaram. Ou que o tratamento dado ao mesmo tema (por exemplo, a morte) serve para diferençar um poema barroco de outro romântico; ou para aproximar um poema árcade (a natureza, por exemplo) de outro modernista, de intenção ecológica.
No caso de Colóquio, o tema é a própria poesia, daí termos dito acima que se trata de um texto metalinguístico, pois o autor se vale da poesia para falar da poesia. Ainda que o século XX não tenha tirado patente da metalinguagem, ela é uma das características de todas as artes deste século. Isto não equivale a dizer que os artistas do século anterior sejam melhores do que os de outros séculos, mas que são mais interessados em discutir o próprio fazer criativo.
Na 5ª estrofe temos o dístico “Aquele jamais atingirá o paraí-so./Seu verso contém a blasfêmia e o riso”. Ora, o humor não é uma característica típica ou exclusiva da poesia. Na verdade é mais fácil de ser encontrado na prosa, no romance picaresco, na sátira, nas crônicas; na poesia, temos também textos satíricos, mas a predominância é lírica. Entendemos aqui que o riso se opõe à seriedade, ou, como disse João Cabral em Antiode, “contra a poesia dita profunda’. A opinião que desqualifica o poema por buscar o riso parece, por simples inversão, valorizar o texto supostamente sério e/ou profundo. Trata-se de uma questão antiga fora da poesia. No teatro há a tendência em valorizar a tragédia ou o drama em detrimento da comédia e, mesmo nos dias atuais, é comum a associação da peça cômica a um teatro de pouca qualidade, voltado apenas para a bilheteria. Opiniões preconcebidas à parte, a desqualificação do riso é histórica.
Repetimos: neste verso parece-nos que a crítica se dirige à falta de seriedade e aí podemos ver subentendida uma concepção de poesia.Ou seja, poesia corresponde a um texto profundo só voltado para questões filosóficas e existenciais. Como exemplo, temos o autor do texto objeto: sua obra se marca pelo humor em suas diversas matizes e ao mesmo tempo pela seriedade de poemas como A Fernando Pessoa e pelo lirismo de poemas como Margem. Dizemos isto para mostrar que a poesia tanto pode servir ao texto filosófico quanto ao irônico, ao amoroso, ao político e que um poeta pode escrever textos diversos e de qualidade.
O humor requer técnica e apresenta variedade significativa de expressão, não podendo, portanto, ser desprezado. Na nossa literatura, por exemplo, temos Gregório de Matos, mais estudado por seus po-emas líricos e religiosos do que por suas sátiras, como comprovam os livros didáticos. Seu “riso crítico”, ainda que mais abundante, cede lugar aos exemplos de poemas religiosos do Barroco e aos poemas de amor. Seria censura? Conveniência didática? Ou cópia viciada de outros livros?
Seja lá o que for, o que queremos dizer é que o riso, como aparece em uma fala deste poema, serve para diminuir o mérito do autor, que a ele só se dedica. E soa como uma espécie de censura e conselho: poetas devem escrever sobre temas sérios que são mais perenes.

Marcus Vinicius Quiroga





sábado, 10 de abril de 2010

Tanussi e Bandeira, 2 românticos de morte

Poemas publicados em vídeo em;
http://papopoetico.blogspot.com/

Tanussi Cardoso

Livro:

50 POEMAS ESCOLHIDOS PELO AUTOR

Edições Galo Branco


GESTOS


O que vem de dentro

pudera nunca se exprimir

palavra

O que vem de dentro

é ouro

puro silêncio

pudera nunca se exprimir

mundo

O que vem de dentro

é tudo

só se pode exprimir

mudo


TEIAS


Alimentar aranhas,

eis o meu ofício.

Deixá-las criar tentáculos.

Moscas mansas

apaixonadamente sangrar.

Cuidá-las para tecer

os pequenos vícios

do seu tear:

venenos sutis

tatos improváveis

-vivê-las.

Redescobrir as cores

as sedes e as sedas.

Entrelaçar as sendas

do meu destino nelas:

véus de astúcia

morte e viuvez.

Decifrar sua dança:

rede de valsas

fios de arame.

Aprender com elas

o ritmo do salto.




COMO SE NÃO FOSSE ADEUS


A vida se vai como o gelo se desfaz:

lento, frio, queimando as mãos.

Nem as baratas me comovem mais.

Nem as moscas. Nem os cães.


(Dentro de mim,

a família é um osso a estalar.)


Pergunto se o cego que vê Deus

enxergará.

Debaixo do seu peso insustentável

o amor não responde.


Sonhei ser belo como os italianos

e, espantalho,

meu corpo se deteriora com o vento.


O verso e seu silêncio não me salvam.

E por mais que tente

sou menor que minha esperança.


Entretanto, não quero escrever sobre paredes.

Paredes não sangram.



DAS CONFIGURAÇÕES


Meus olhos fixos na cristaleira antiga.

Há qualquer coisa de eterno em seu mármore,

em seu orgulhoso espelho coberto de tempo.

(Quantos já choraram seus licores?)

Meus olhos fixos na cristaleira antiga.

Há sombras de valsas, de tangos, de bailes, de

[flautas e pianos.

Há vidas em suas poeiras. Há mãos.

Estou a um passo de algo que desconheço,

[mas intuo.

Estou a um passo da loucura. Ou da utopia.

Estou a um passo do que poderia ter sido:

eu diante de mim-cristaleira muda.

Estou aqui. Pedra fixa em um ponto qualquer.

Aprendendo o pássaro

– pés presos no salto; asas presas no vôo.

(Como a Arte que persiste em me apontar falhas.)

Ousando unicamente a possibilidade do poema.

[Ou do futuro.

Como um cego a flutuar no escuro.

A um passo da Morte. Ou a um passo de Deus.



ORÁCULO


mas não quero falar disso agora.

preciso modular minha FM preferida.

acertar minhas ondas hertzianas. jogar meus vídeos.

ver minha TV desfocada.

terminar meu quadro imaginário.

pensar palavras nunca escritas.

ser inteligente. admirável. bonito. e olhos espertos.

[galantes.

ouvir marvin gaye em CD.

ceder às minhas idiossincrasias. polissemias. hipérboles.

[agonias.

curtir meus deuses injustos. meus canibais preferidos.

minhas chuvas de abril. meu rock sem sexandrugs.

minhas vertigens. delírios. minhas camas desfeitas.

meus uis. ais. meus apótemas.

me perguntar o que é apótema.

fazer teses de gaveta. construir teias, telas, estratagemas.

GEMAS.


mas não quero falar disso agora.

entenda. pegar meu barco à vela. meu travesseiro.

meu lexotan. minha incoerência.

eu X o tempo.

eu questionário incorrigível.

eu X eu - matemática imponderável.

preciso de um céu imprevisível.

uma morte não anunciada.

um sofrimento exato e incontrolável.

um mar. viajar em sereias e trepar com deusas insensatas.

não ter medo de deus. não ter medo de adeus.

[não ter medo de.

veludos azuis. abajur vermelho. tangos e

[boleros. facas agudas.

samambaias penduradas na sala de jantar.

mortos passeando nos jardins. um filme de

[Mojica Marins.


mas não quero falar disso agora.

tantas idas e vindas. dor no coração fodido.

vôo e nem acredito.

vôo e nem domingo.

sábado e nem comigo.

vôo e nem futuro.

só preciso disso:

a paz inalcançável do gesto da mão no ar no vento

como um corte lento e gosmento.

silencioso. brutalmente silencioso.

como um poema. límpido como um santo caído

[das nuvens.

como um poema. gênesis.

como um poema. estupidamente triste.

como um poema. sutil e inacabado.

como um poema. belo e qualquer.


mas não quero falar disso agora.



Manuel Bandeira - Antologia 3


Livro: Carnaval


Vulgívaga


Não posso crer que se conceba

Do amor senão o gozo físico!

O meu amante morreu bêbado,

E meu marido morreu tísico!


Não sei entre que astutos dedos

Deixei a rosa da inocência.

Antes da minha pubescência

Sabia todos os segredos…


Fui de um… Fui de outro… Este era médico…

Um, poeta… Outro, nem sei mais!

Tive em meu leito enciclopédico

Todas as artes liberais.


Aos velhos dou o meu engulho.

Aos férvidos, o que os esfrie.

A artistas, a coquetterie

Que inspira… E aos tímidos – o orgulho.


Estes, caçô-os e depeno-os:

A canga fez-se para o boi…

Meu claro ventre nunca foi

De sonhadores e de ingênuos!


E todavia se o primeiro

Que encontro fere toda a lira,

Amanso. Tudo se me tira.

Dou tudo. E mesmo… dou dinheiro…


Se bate, então como estremeço!

Oh, a volúpia da pancada!

Dar-me entre lágrimas, quebrada

Do seu colérico arremesso…


E o cio atroz se me não leva

A valhacoutos de canalhas,

É porque tremo pela treva

O fio fino das navalhas…


Não posso crer que se conceba

Do amor senão o gozo físico!

O meu amante morreu bêbado,

E meu marido morreu tísico!


DEBUSSY


Para cá, para lá…

Para cá, para lá…

Um novelozinho de linha…

Para cá, para lá…

Para cá, para lá…

Oscila no ar pela mão de uma criança

(Vem e vai…)

Que delicadamente e quase a adormecer o balança

—Psio… —

Para cá, para lá…

Para cá e…

– O novelozinho caiu.



A DAMA BRANCA


A Dama Branca que eu encontrei,

Faz tantos anos,

Na minha vida sem lei nem rei,

Sorriu-me em todos os desenganos.


Era sorriso de compaixão?

Era sorriso de zombaria?

Não era mofa nem dó. Senão,

Só nas tristezas me sorriria.


E a Dama Branca sorriu também

A cada júbilo interior.

Sorria como querendo bem.

E todavia não era amor.


Era desejo? – Credo! De tísicos?

Por histeria… quem sabe lá?…

A Dama tinha caprichos físicos:

Era uma estranha vulgívaga.


Era… era o gênio da corrupção.

Tábua de vícios adulterinos.

Tivera amantes: uma porção.

Até mulheres. Até meninos.


Ao pobre amante que lhe queria,

Se lhe furtava sarcástica.

Com uns perjura, com outros fria,

Com outros má,


— A Dama Branca que eu encontrei,

Há tantos anos,

Na minha vida sem lei nem rei,

Sorriu-me em todos os desenganos.


Essa constância de anos a fio,

Sutil, captara-me. e imaginai!

Por uma noite de muito frio,

A Dama Branca levou meu pai.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

II


Na 4ª estrofe, há o verso “Faz poesia, e o leitor entende!”. Esta fala debochada critica o escritor que estabelece uma comunicação imediata com o leitor, como se a literatura tivesse que ser necessariamente enigmática. Antes lembremo-nos de que no século XX, todas as artes, e não só a literatura, tiveram como categoria de valor a não compreensão imediata ou até mesmo a incompreensão, isto sem falarmos de arte barroca ou simbolista em séculos anteriores. Não há dúvida de que isto deu margem a axiomas como “Se eu não entendi, o texto é bom.”. Outra vez dizemos que a qualidade de uma obra não reside apenas na facilidade ou dificuldade de sua leitura, embora nós, escritores, leitores e críticos formados no século passado, temos a tendência a apreciar um texto que requer releituras, texto este que pode ter sido escrito em qualquer época.
Para o leitor médio (e muitas vezes para o leitor inexperiente, como é o nosso público) parece absurdo alguém escrever um texto para não ser compreendido ou para ser compreendido parcialmente ou aos poucos. Isto contraria uma lógica de mercado de uma sociedade que há muito já vive sob o signo da cultura de massa, afinal um texto difícil teoricamente não tem cliente, sendo, portanto, um desperdício de produção.
Neste momento, podemos abordar também a questão do repertório, e esclarecer que o entendimento de um texto depende do repertório do leitor e não só da elaboração mais ou menos hermética do autor. Quanto maior for o repertório do leitor, maior a probabilidade de compreensão. E em textos do século XX que se caracterizam pela intertextualidade (texto que mantém relação com outro texto) e pela paródia (texto crítico que tem outro texto como modelo) o repertório é fundamental. Como apreciar o poema Os sapos, de Manuel Bandeira, sem conhecer os poetas parnasianos? Ou como entender as paródias de Oswald de Andrade e de Murilo Mendes, sem conhecer o modelo original da Canção do Exílio, de Gonçalves Dias?
Este texto Colóquio, por ser metalinguístico, certamente dará mais prazer a escritores e estudiosos de literatura de um modo geral, pois identificam nele várias falas lidas e ouvidas com frequência. Aqui surge, então, outro ponto a ser discutido, o da identificação. Mais facilmente gostamos das obras com as quais nos identificamos. Sabemos com experiência que leitores jovens gostam de personagens jovens ou de livros escritos por jovens, que tenham uma linguagem mais “familiar”. Isto não quer dizer que não possam apreciar outro tipo de literatura.
Cremos que vale a pena chamar atenção para a identificação como fator de compreensão de valorização dos textos e mostrar que muitas vezes ela ocorre sem que tenhamos consciência, independente da idade do leitor. Um poema que fale em Deus agradará mais a um religioso do que a um ateu, por sua temática, não por sua qualidade. Ora, em um primeiro estágio do contato com a poesia (ou com a prosa), normalmente nos interessamos pelas obras por causa da temática ou do gênero. Assim como há quem só leia romance policial, há quem só se interesse por poema de temática amorosa. Como este tema predomina através dos séculos nas diferentes literaturas e nos cancioneiros populares, há até quem, mais ingenuamente, identifique poema e letra de música com texto que fale sobre o amor.

sábado, 3 de abril de 2010


Poemas de Antonio Carlos Secchin

ditos por Eduardo Tornaghi em:


http://papopoetico.blogspot.com/


“NÃO, NÃO ERA AINDA A ERA DA PASSAGEM”


Não, não era ainda a era da passagem

do nada ao nada, e do nada ao seu restante.

Viver era tanger o instante, era linguagem

de se inventar o visível, e era bastante.

Falar é tatear o nome do que se afasta.

Além da terra, há só o sonho de perdê-la.

Além do céu, o mesmo céu, que se alastra

num arquipélago de escuro e de estrela


“A CASA NÃO SE ACABA…”


A casa não se acaba na soleira,

nem na laje, onde pássaros se escondem

A casa só se acaba quando morrem

os sonhos inquilinos de um homem.


Caminha no meu corpo abstrata e viva,

vibrando na lembrança como imagem

de tudo que não vai morrer, embora

as maçãs apodreçam na paisagem.


Sob o ríspido sol do meio-dia,

me desmorono diante dela, e tonto

bato à porta de ser ontem alegria.


O silêncio transborda pelo forro.

E eu já nem sei o que fazer de tanto

passado vindo em busca de socorro


COLÓQUIO


Em certo lugar do país

se reúne a Academia do Poeta Infeliz.


Severos juízes da lira alheia,

sabem falar vazio de boca cheia.


Este não vale. A obra não fica.

Faz soneto, e metrifica.


e esse aqui, o que pretende?

Faz poesia, e o leitor entende!


Aquele jamais atingirá o paraíso.

Seu verso contém a blasfêmia e o riso.


Mais de três linhas é grave heresia,

pois há de ser breve a tal poesia.


E o poema, casto e complexo,

não deve exibir cenas de nexo.


Em coro a turma toda rosna

contra a mistura de poesia e prosa.


Cachaça e chalaça, onde se viu?

poesia é matéria de fino esmeril.


Poesia é coisa pura.

com prosa ela emperra e não dura.


É como pimenta em doce de castanha.

Agride a vista e queima a entranha.


E em meio a gritos de gênio e de bis

cai no sono e do trono o Poeta Infeliz.


LINGUAGENS


Percebi que o vôo negro dessa hipálage

beijava o mel dos lábios da metáfora,

e mais beijara, se não fosse a enálage,

e mais revoara, se não fosse a anáfora.


Chorei mil mares profundos de hipérbole,

duas velas cortaram a metonímia,

enquanto o pé da catacrese andava

no compasso bem toante dessa rima.


Verteu prantos a anímica floresta,

mas nós entramos dentro do pleonasmo,

‘stamos em pleno oceano de uma aférese…


Vai-se o expletivo, mais um e outro mais…

Os poetas, nós somos muito silépticos;

mas os poemas, elípticos demais.



Poemas de Manuel Bandeira

2˚ vídeo da antologia


-em “A cinza das horas”


RENÚNCIA


Chora de manso e no íntimo… Procura

Curtir sem queixa o mal que te crucia:

O mundo é sem piedade e até riria

Da tua inconsolável amargura.


Só a dor enobrece e é grande e é pura.

Aprende a amá-la que a amarás um dia.

Então ela será tua alegria,

E será, ela só, tua ventura…


A vida é vã como a sombra que passa…

Sofre sereno e de alma sobranceira,

Sem um grito sequer, tua desgraça.


Encerra em ti tua tristeza inteira.

E pede humildemente a Deus que a faça

Tua doce e constante companheira…



-em “Carnaval”


BACANAL


Quero beber! cantar asneiras

No estro brutal das bebedeiras

Que tudo emborca e faz em caco…

Evoé Baco!


Lá se me parte a alma levada

No torvelim da mascarada,

A gargalhar em doudo assomo…

Evoé Momo!


Lacem-na toda, multicores,

As serpentinas dos amores,

Cobras de lívidos venenos…

Evoé Venus!


Se perguntarem: Que mais queres,

Além de versos e mulheres?…

– Vinhos!… o vinho que é o meu fraco!…

Evoé Baco!


O alfange rútilo da lua,

Por degolar a nuca nua

Que me alucina e que eu não domo!…

Evoé Momo!


A lira etérea, a grande lira!…

Por que eu extático desfira

em seu louvor versos obscenos,

Evoé Vênus!



Os Sapos


Enfunando os papos,

saem da penumbra,

Aos pulos, os sapos.

A luz os deslumbra.


Em ronco que aterra,

Berra o sapo-boi:

–”Meu pai foi à guerra!”

–”Não foi!” –”Foi!” –”Não foi!”.


O sapo-tanoeiro,

Parnasiano aguado,

Diz: – “Meu cancioneiro

É bem martelado.


Vede como primo

Em comer os hiatos!

Que arte! E nunca rimo

Os termos cognatos.


O meu verso é bom

Frumento sem joio.

Faço rimas com

Consoantes de apoio.


Vai por cinquenta anos

Que lhes dei a norma:

Reduzi sem danos

A forma a forma.


Clame a saparia

Em críticas céticas:

Não há mais poesia,

Mas há artes poéticas…”


Urra o sapo-boi:

– “Meu pai foi rei” – “Foi!”

– “Não foi!” –”Foi!” –”Não foi!”.


Brada em um assomo

O sapo-tanoeiro:

– “A grande arte é como

Lavor de joalheiro.


Ou bem de estatuário.

Tudo quanto é belo,

Tudo quanto é vário,

Canta no martelo.”


Outros, sapos-pipas

(Um mal em si cabe),

Falam pelas tripas:

–”Sei!” –”Não sabe!” – “Sabe!”.


Longe dessa grita,

Lá onde mais densa

A noite infinita

Verte a sombra imensa;


Lá, fugido ao mundo,

Sem glória, sem fé,

No perau profundo

E solitário, é


Que soluças tu,

Transido de frio,

Sapo-cururu

Da beira do rio…

1918