quarta-feira, 7 de abril de 2010

II


Na 4ª estrofe, há o verso “Faz poesia, e o leitor entende!”. Esta fala debochada critica o escritor que estabelece uma comunicação imediata com o leitor, como se a literatura tivesse que ser necessariamente enigmática. Antes lembremo-nos de que no século XX, todas as artes, e não só a literatura, tiveram como categoria de valor a não compreensão imediata ou até mesmo a incompreensão, isto sem falarmos de arte barroca ou simbolista em séculos anteriores. Não há dúvida de que isto deu margem a axiomas como “Se eu não entendi, o texto é bom.”. Outra vez dizemos que a qualidade de uma obra não reside apenas na facilidade ou dificuldade de sua leitura, embora nós, escritores, leitores e críticos formados no século passado, temos a tendência a apreciar um texto que requer releituras, texto este que pode ter sido escrito em qualquer época.
Para o leitor médio (e muitas vezes para o leitor inexperiente, como é o nosso público) parece absurdo alguém escrever um texto para não ser compreendido ou para ser compreendido parcialmente ou aos poucos. Isto contraria uma lógica de mercado de uma sociedade que há muito já vive sob o signo da cultura de massa, afinal um texto difícil teoricamente não tem cliente, sendo, portanto, um desperdício de produção.
Neste momento, podemos abordar também a questão do repertório, e esclarecer que o entendimento de um texto depende do repertório do leitor e não só da elaboração mais ou menos hermética do autor. Quanto maior for o repertório do leitor, maior a probabilidade de compreensão. E em textos do século XX que se caracterizam pela intertextualidade (texto que mantém relação com outro texto) e pela paródia (texto crítico que tem outro texto como modelo) o repertório é fundamental. Como apreciar o poema Os sapos, de Manuel Bandeira, sem conhecer os poetas parnasianos? Ou como entender as paródias de Oswald de Andrade e de Murilo Mendes, sem conhecer o modelo original da Canção do Exílio, de Gonçalves Dias?
Este texto Colóquio, por ser metalinguístico, certamente dará mais prazer a escritores e estudiosos de literatura de um modo geral, pois identificam nele várias falas lidas e ouvidas com frequência. Aqui surge, então, outro ponto a ser discutido, o da identificação. Mais facilmente gostamos das obras com as quais nos identificamos. Sabemos com experiência que leitores jovens gostam de personagens jovens ou de livros escritos por jovens, que tenham uma linguagem mais “familiar”. Isto não quer dizer que não possam apreciar outro tipo de literatura.
Cremos que vale a pena chamar atenção para a identificação como fator de compreensão de valorização dos textos e mostrar que muitas vezes ela ocorre sem que tenhamos consciência, independente da idade do leitor. Um poema que fale em Deus agradará mais a um religioso do que a um ateu, por sua temática, não por sua qualidade. Ora, em um primeiro estágio do contato com a poesia (ou com a prosa), normalmente nos interessamos pelas obras por causa da temática ou do gênero. Assim como há quem só leia romance policial, há quem só se interesse por poema de temática amorosa. Como este tema predomina através dos séculos nas diferentes literaturas e nos cancioneiros populares, há até quem, mais ingenuamente, identifique poema e letra de música com texto que fale sobre o amor.

2 comentários:

  1. FUNDO
    Raspo o fundo da panela
    A ver brilhar uma cor que desconhecia
    E me alimento do ferro
    De outras comidas servidas
    E me viro ao pote e afundo o copo
    E bebo barro diluído.
    É a fome e é a sede,
    É a minha casa e minha rede
    Onde rumino o tempo e a ferrugem.
    Já me acostumei com o grude
    E disso passo, e lavo o prato,
    E a colher com a ponta suja.
    E volto em casa, e pego das mãos
    O anel que era de minha mãe
    A aliança que era de meu pai,
    E os guardo atrás do quadro do Coração de Jesus.
    ______________
    naeno* comreservas

    ResponderExcluir
  2. BULIÇOSO

    Na calçada o vento ler os meus poemas,
    Numa velocidade motorizada.
    Além do que meus olhos podiam acompanhar
    Exposto agora estou,
    A tantos quantos ele segreda,
    Saberão dos meus delírios, minhas frustrações,
    Meus rompantes de amor.
    Todos saberão que não ando feliz
    Isso me fez sentir uma revolta num repente,
    Resultou numa indignação maior
    Do que uma violação na carne.
    Eu cá comigo guardava a proscrição
    Dos meus versos.
    O vento entorna, e mais interessado
    Volta a reler meus papéis
    E comenta, me condena.

    Eu ouço, no vai e vem incontrolável
    Das dobras nas páginas marcadas,
    Acentos, riscos, marcados
    De onde suponho o meu distrair maior,
    Aonde acredito haver
    Algo que me comprometa
    Pelos meus incógnitos pensares
    Que o vento não traduziu,
    Partes pequenas que a ele bastou
    Para agarrar-se a mim,
    No desejo de entender e dizer
    De um pobre poeta,
    De gramática,
    Só, verticalmente estático.
    _______________________
    naeno*comreservas

    ResponderExcluir