sábado, 3 de abril de 2010


Poemas de Antonio Carlos Secchin

ditos por Eduardo Tornaghi em:


http://papopoetico.blogspot.com/


“NÃO, NÃO ERA AINDA A ERA DA PASSAGEM”


Não, não era ainda a era da passagem

do nada ao nada, e do nada ao seu restante.

Viver era tanger o instante, era linguagem

de se inventar o visível, e era bastante.

Falar é tatear o nome do que se afasta.

Além da terra, há só o sonho de perdê-la.

Além do céu, o mesmo céu, que se alastra

num arquipélago de escuro e de estrela


“A CASA NÃO SE ACABA…”


A casa não se acaba na soleira,

nem na laje, onde pássaros se escondem

A casa só se acaba quando morrem

os sonhos inquilinos de um homem.


Caminha no meu corpo abstrata e viva,

vibrando na lembrança como imagem

de tudo que não vai morrer, embora

as maçãs apodreçam na paisagem.


Sob o ríspido sol do meio-dia,

me desmorono diante dela, e tonto

bato à porta de ser ontem alegria.


O silêncio transborda pelo forro.

E eu já nem sei o que fazer de tanto

passado vindo em busca de socorro


COLÓQUIO


Em certo lugar do país

se reúne a Academia do Poeta Infeliz.


Severos juízes da lira alheia,

sabem falar vazio de boca cheia.


Este não vale. A obra não fica.

Faz soneto, e metrifica.


e esse aqui, o que pretende?

Faz poesia, e o leitor entende!


Aquele jamais atingirá o paraíso.

Seu verso contém a blasfêmia e o riso.


Mais de três linhas é grave heresia,

pois há de ser breve a tal poesia.


E o poema, casto e complexo,

não deve exibir cenas de nexo.


Em coro a turma toda rosna

contra a mistura de poesia e prosa.


Cachaça e chalaça, onde se viu?

poesia é matéria de fino esmeril.


Poesia é coisa pura.

com prosa ela emperra e não dura.


É como pimenta em doce de castanha.

Agride a vista e queima a entranha.


E em meio a gritos de gênio e de bis

cai no sono e do trono o Poeta Infeliz.


LINGUAGENS


Percebi que o vôo negro dessa hipálage

beijava o mel dos lábios da metáfora,

e mais beijara, se não fosse a enálage,

e mais revoara, se não fosse a anáfora.


Chorei mil mares profundos de hipérbole,

duas velas cortaram a metonímia,

enquanto o pé da catacrese andava

no compasso bem toante dessa rima.


Verteu prantos a anímica floresta,

mas nós entramos dentro do pleonasmo,

‘stamos em pleno oceano de uma aférese…


Vai-se o expletivo, mais um e outro mais…

Os poetas, nós somos muito silépticos;

mas os poemas, elípticos demais.



Poemas de Manuel Bandeira

2˚ vídeo da antologia


-em “A cinza das horas”


RENÚNCIA


Chora de manso e no íntimo… Procura

Curtir sem queixa o mal que te crucia:

O mundo é sem piedade e até riria

Da tua inconsolável amargura.


Só a dor enobrece e é grande e é pura.

Aprende a amá-la que a amarás um dia.

Então ela será tua alegria,

E será, ela só, tua ventura…


A vida é vã como a sombra que passa…

Sofre sereno e de alma sobranceira,

Sem um grito sequer, tua desgraça.


Encerra em ti tua tristeza inteira.

E pede humildemente a Deus que a faça

Tua doce e constante companheira…



-em “Carnaval”


BACANAL


Quero beber! cantar asneiras

No estro brutal das bebedeiras

Que tudo emborca e faz em caco…

Evoé Baco!


Lá se me parte a alma levada

No torvelim da mascarada,

A gargalhar em doudo assomo…

Evoé Momo!


Lacem-na toda, multicores,

As serpentinas dos amores,

Cobras de lívidos venenos…

Evoé Venus!


Se perguntarem: Que mais queres,

Além de versos e mulheres?…

– Vinhos!… o vinho que é o meu fraco!…

Evoé Baco!


O alfange rútilo da lua,

Por degolar a nuca nua

Que me alucina e que eu não domo!…

Evoé Momo!


A lira etérea, a grande lira!…

Por que eu extático desfira

em seu louvor versos obscenos,

Evoé Vênus!



Os Sapos


Enfunando os papos,

saem da penumbra,

Aos pulos, os sapos.

A luz os deslumbra.


Em ronco que aterra,

Berra o sapo-boi:

–”Meu pai foi à guerra!”

–”Não foi!” –”Foi!” –”Não foi!”.


O sapo-tanoeiro,

Parnasiano aguado,

Diz: – “Meu cancioneiro

É bem martelado.


Vede como primo

Em comer os hiatos!

Que arte! E nunca rimo

Os termos cognatos.


O meu verso é bom

Frumento sem joio.

Faço rimas com

Consoantes de apoio.


Vai por cinquenta anos

Que lhes dei a norma:

Reduzi sem danos

A forma a forma.


Clame a saparia

Em críticas céticas:

Não há mais poesia,

Mas há artes poéticas…”


Urra o sapo-boi:

– “Meu pai foi rei” – “Foi!”

– “Não foi!” –”Foi!” –”Não foi!”.


Brada em um assomo

O sapo-tanoeiro:

– “A grande arte é como

Lavor de joalheiro.


Ou bem de estatuário.

Tudo quanto é belo,

Tudo quanto é vário,

Canta no martelo.”


Outros, sapos-pipas

(Um mal em si cabe),

Falam pelas tripas:

–”Sei!” –”Não sabe!” – “Sabe!”.


Longe dessa grita,

Lá onde mais densa

A noite infinita

Verte a sombra imensa;


Lá, fugido ao mundo,

Sem glória, sem fé,

No perau profundo

E solitário, é


Que soluças tu,

Transido de frio,

Sapo-cururu

Da beira do rio…

1918

Um comentário:

  1. Passando p retribuir a visita e p agradecer o convite, Eduardo.
    Olharei agora o blog da poesia pelada na praia. rsrs. Adorei a iniciativa. Não conheço o Rio, mas indo por aí, apareço sim.
    Vou adicionar como seguidora p me manter informada do trabalho de vocês.
    Abraços poéticos!

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