quinta-feira, 1 de abril de 2010



COLÓQUIO


Em certo lugar do país
se reúne a Academia do Poeta Infeliz.

Severos juízes da lira alheia,
sabem falar vazio de boca cheia.

Este não vale. A obra não fica.
Faz sonetos, e metrifica.

E esse aqui o que pretende?
Faz poesia, e o leitor entende!

Aquele jamais atingirá o paraíso.
Seu verso contém blasfêmia e o riso.

Mais de três linhas é grave heresia,
pois há de ser breve a tal poesia.

E o poema, casto e complexo,
não deve exibir cenas de nexo.

Em coro a turma toda rosna
contra a mistura de poesia e prosa.

Cachaça e chalaça, onde se viu?
Poesia é matéria de fino esmeril.

Poesia é coisa pura.
Com prosa ela emperra e não dura.

É como pimenta em doce de castanha.
Agride a vista e queima a entranha.

E em meio a gritos de gênio e de bis
cai no sono e do trono o Poeta Infeliz.


Antonio Carlos Secchin





Vamos usar o texto Colóquio, de Antonio Carlos Secchin, como motivação para levantarmos algumas questões sobre poesia, sugeridas por seus versos. Primeiramente, cabe reconhecer o tom irônico e crítico do poema que expõe pensamentos diversos e contraditórios, ditos com frequência por escritores, professores e críticos, ou seja, “os juízes da lira alheia’’. O texto adquire para quem conhece a obra poética e a prática de professor de oficina literária de Secchin, que é, além de escritor, também professor de literatura, ensaísta e crítico, uma autoironia, que talvez passe despercebida para outros leitores.
Na 3ª estrofe, o verso “Faz soneto e metrifica” nos remete, de início, para o uso de forma fixa. No caso, o soneto. Esta forma fixa, composta de dois quartetos e de dois tercetos, foi, sem dúvida, a mais usada durante os períodos dos estilos clássico, barroco, romântico, parnasiano e simbolista. Com o Modernismo de 22, as formas fixas foram postas de lado, mas foram mais tarde resgatadas e o soneto, por exemplo, foi revalorizado pelas mãos de Vinicius de Morais e Carlos Drummond de Andrade, para citarmos poucos.
De qualquer forma, várias gerações do século XX viram com maus olhos a forma fixa e, em particular, o soneto, talvez tido como ícone máximo de uma literatura já gasta e excessivamente formal, segundo padrões de versificação de séculos anteriores. No Brasil, o soneto parnasiano tornou-se, após a crítica modernista, o exemplo de poesia a não ser seguido. Trata-se, no caso, de texto que cuida mais da rigidez métrica, das rimas ditas ricas e da chave de ouro, em detrimento, muitas vezes, de um conteúdo mais profundo.
Curiosamente ainda vemos, principalmente em cidades do interior, escritores que se dedicam exclusivamente ao soneto, como nos modelos romântico, parnasiano e simbolista. De fato, não são poucos os poetas que, se encontrando distantes da mídia cosmopolita, ainda rejeitam as “inovações’’ modernistas e seu versilibrismo.
Aqui vale a pena discutir a questão da contemporaneidade na literatura. Se, por um lado, ainda temos poetas parnasianos fora de época; por outro, também temos escritores e críticos que, por valorizarem, cega e radicalmente, o ser contemporâneo da poesia, não admitem, de forma alguma, a feitura de um soneto, como se sua forma fosse o bastante para desqualificá-lo. Lembremos de que a “chave de ouro”, tão criticada, aparece em muitos poemas de versos livres, mas não em todo soneto.
Parecem-nos úteis os comentários sobre a forma fixa, além do soneto, como a sextina ou o haicai, e até dar um exemplo. Isto não quer dizer que esperemos que um poeta jovem do século XXI vá escrever éclogas ou madrigais.
Insistindo na questão da contemporaneidade, acreditamos que ela não se restrinja a uma concepção maniqueísta de formas fixas ou livres, mas que diga respeito à linguagem dos poetas. Pensemos aqui na obra de Paulo Henriques Britto, cuja primeira publicação data de 1989, e veremos que este poeta usa com abundância formas fixas, sem deixar de ser contemporâneo. Como exemplo, temos textos em Trovar claro que são feitos com o uso do linguajar da marginalidade, encaixando a gíria e o universo do banditismo em uma forma fixa.
Se falamos em forma fixa, somos obrigados a falar em métrica. Na nossa literatura, também foi na década de 20 que a métrica cedeu lugar ao verso livre. E, igualmente como o soneto, ela passou a ser vista como opção poética ultrapassada, o que nos parece um equívoco. Mário de Andrade, em seu Prefácio interessantíssimo, do livro Paulicéia desvairada, faz um soneto, de deboche, para mostrar que, se arte era saber metrificar, ele também sabia. Frases de espírito à parte, elaborar um poema metrificado não é garantia de sua qualidade, tampouco fazer um poema sem métrica. Logo um poema é bem mais que a habilidade e a prática de se fazer um poema com dez sílabas em todos os versos e com as devidas sílabas tônicas, como também é bem mais do que escrever sem métrica.
Em um poema metrificado, é mais visível (ou melhor, audível) o seu ritmo, mas isto não quer dizer que o poema de verso livre não tenha ritmo. Esta é também uma falha de percepção de quem faz versos livres só por não saber metrificá-los, e não por escolha. Manuel Bandeira, que iniciou usando a métrica e a forma fixa, tornou-se um mestre do verso livre, talvez pelo fato de antes ter usado bastante a métrica. Dizer que um texto é contemporâneo por ter versos livres é o mesmo dizer que sua contemporaneidade se encontra no tema de i-Pods, por exemplo. Afinal, o verso livre em nossa literatura já é um senhor de mais de oitenta anos.
Mais do que substituir o verso metrificado pelo livre, cremos que a contribuição modernista foi a de nos libertar da obrigatoriedade da métrica e a de relativizar a obediência plena às regras de versificação. Vejamos como João Cabral, um poeta de obra bastante “medida”, usa a métrica sem a rigidez integral, variando o número de sílabas, como ele mesmo diz no poema A Augusto de Campos, do livro Agrestes. Como exercício, para que o aluno perceba melhor o texto metrificado, sugerimos a contagem de silabas de alguns versos, diferençando a contagem gramatical da poética, que para na última sílaba tônica e que se vale de recursos como a sinérese, a elisão, a crase etc Sabemos que estes nomes não são lá muito simpáticos, mas a explicação fará com que percebam que a união de vogais é fácil de ser compreendida, até porque é um fenômeno normal da língua falada.
Recomendamos aos que querem se dedicar à poesia que, independente da idade, aprendam e pratiquem a metrificação para depois, abandoná-la, se quiserem. Ou, o que é comum com muitos poetas, como é o caso do próprio Antonio Carlos Secchin, autor de Colóquio, alternar versos livres com metrificados, segundo o desejo e a intenção literária.

Um comentário:

  1. Bacana que você escolheu o colóquio. É um poema que dialoga com os Sapos do Manuel que vai postado junto dele

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