sábado, 7 de março de 2009

A PROPÓSITO


O VERDADEIRO MILAGRE DA LITERATURA




“Não é possível que um escritor aplauda a indiferença cultural do Brasil. Só um insensato. Como não sou insensata, nem parei de pensar, reconheço que o Brasil cobra um esforço acima das necessidades da literatura. Persistir na literatura é um milagre. “
Nélida Piñon in entrevista para o Prosa & Verso



Acontece com a literatura o mesmo que acontece com outros produtos: é mais barato ou mais fácil importar o que já está pronto e com “certificados” de qualidade do que desenvolver e produzir produtos nacionais. Intelectualmente ainda somos um país agrícola. Publicamos, divulgamos e incensamos obras que não nos dizem respeito, seja pelo pouco valor literário, seja pela afinidade com a cultura brasileira. E elevamos às alturas as pipas estrangeiras dos caçadores de dólares.
Ser escritor no Brasil é como montar uma microempresa, com burocracia, taxas, impostos e um sócio à revelia, que só reparte os lucros, nunca os prejuízos. Por isso, ser escritor não é visto como profissão, mas como lazer, atividade secundária, privilégio dos que nasceram em famílias abastadas ou receberam sinecuras, cargos públicos sem prestação de concurso. Curiosamente nesta hora até alguns artistas de esquerda aceitam de bom grado uma nomeação por tráfico de influência ou uma vaga num trem da alegria. Corrompida, a arte muitas vezes também não tem a dignidade de se indignar.
Se Nélida, que é uma escritora cuja obra conquistou, há muito tempo, reconhecimento dentro e fora do país, diz isto, o que diria um escritor iniciante ou afastado da mídia?
Mas, enquanto viciarmos o leitor médio com o best seller das multinacionais da literatura, daremos pouco espaço até para autores consagrados, como é o caso da autora de Tebas do meu coração. Como os novos romancistas e poetas terão suas obras editadas e divulgadas diante da concorrência dos grandes (grandes?) nomes estrangeiros? Como os leitores conscientes poderão entrar em contato e conhecer o que está sendo escrito (e às vezes até publicado, mesmo que em pequenas tiragens) pelos brasileiros?
Quando pleiteamos mais tempo de exibição para os filmes nacionais, dizem que é “protecionismo”. Mas a exibição obrigatória (e não só em certo sentido) dos lineares e oscarizáveis filmes americanos não é também protecionismo? Ou é imposição política mesmo de país de maior poder bélico?
Não tenho dúvidas de que haja grandes obras adormecidas nos arquivos dos computadores, mas, com a indiferença dos governos e com a concorrência desleal da má literatura estrangeira, fica difícil pensar em outra Nélida, outro Osman, outra Clarice, outro Guimarães.
Deve ser por isto que, em período não muito longe, se dizia que este era o país do milagre, o milagre da sobrevivência e da persistência, como nos lembra Nélida Piñon.

5 comentários:

  1. Lindo lindo lindo!!!
    viva!

    muito legal. Vou tentar colocar uma resposta no próprio post pra ver se fica um formato interessante.

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  2. Acho que esta é a questão da arte de um modo geral. Um dia um tal FHC chamou os aposentados de vagabundos. Nesta linha de raciocínio, os artistas também são "vagabundos" e são postos para fora do cotidiano social. Logo a Nélida Pinõn tem razão: a arte é sempre um milagre.

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  3. Sensacional! Assino embaixo.
    O que podemos fazer? Que legado podemos deixar para as novas gerações? Aliás, que louco jovem vai abraçar a carreira literária hoje procurando realização profissional aliada a uma vida digna? Não é diferente na carreira musical. Não é diferente na carreira teatral.
    Nossos artistas e escritores estarão todos em breve estudando para concursos públicos em áreas desconexas. Só encontraremos saída para a atual situação se juntarmos nossas vozes, depoimentos, análises, reflexões, e as direcionarmos num movimento sólido e positivo de nova construção em solo artístico-cultural.
    Abraços.
    Vera.

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  4. Não teve jeito de colocar comentário no post sem parecer intromissão, mas vai ser interessante ter um post que seja uma conversa né não? precisamos tentar isso depois.

    Agora o assunto em si.

    Acredito que a arte em si é fruto da NESCESSIDADE DE EXPRESSÃO. Uma nescessidade como comer, que não some quando a comida está difícil. Então, acredito que persistir na arte é só natural, nenhum milagre nisso.

    O problema começa quando tentamos sobreviver disso numa cultura que parece ter como modelo máximo aquele personagem do Nelson Rodrigues, o "idiota da objetividade".
    Nosso desafio deve ser lutar contra a cegueira de um modelo que até reconhece a penúria material dos artistas mas não a pobreza espiritual dos banqueiros como um problema.
    Precisamos de uma mudança de paradigmas onde a construção do espírito seja reconhecida como prioritária em relação à construção do patrimônio. Uma sociedade que sabendo que o poder corrompe, procure construir salvaguardas para que seus cidadãos, mesmo em posições de mando, estejam protegidos de tal corrupção. Onde se consiga enxergar a superioridade do poder do espírito sobre o material.

    Talvez esta "crise do capitalismo" seja uma chance de ouro para sacudir tantas certezas míopes que nos tem assolado. E esta é uma obra (acredito eu) para poetas e não para políticos ou "poderosos" de qualquer espécie material de poder.

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  5. (continuando...)
    Portanto o negócio é persistir. A verdade sempre prevalecerá porque o oposto é a mentira, ou seja, não existe, é ilusão. O tempo está a nosso favor.

    Então, à luta, que além de tudo é divertido.

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