sábado, 21 de março de 2009

A PROPÓSITO



FORMA E CONTEÚDO



“Não pode a forma valer, se não valer sua temática. Não há como ser bom um poema cuja mensagem não tenha relevância e validez no conjunto da experiência humana.”

Guilherme Merquior
in A máquina do mundo de Drummond ( Razão do poema)

A velha discussão de forma x conteúdo se apresenta aqui. Acho que didaticamente as duas palavras são úteis e podem ser usadas sem tanto pudor. Mas é claro que a separação rígida entre forma e conteúdo é um equívoco. Lembremo-nos de alguns exemplos.
Vieira critica o estilo cultista do arte barroca, como ilustre representante do estilo concepista. No entanto, é flagrante em sua linguagem características do cultismo por ele depreciado. O que, na verdade, comprova a sua marca barroca da contradição.
João Cabral, que aparece em livros didáticos como poeta de tendência formalista, declarou certa vez que, a partir de certo momento, não admitia mais fazer um poema que não tivesse um tema evidente. E, se repararmos bem, o número de textos com temática social é bem grande em sua obra. No entanto, nunca foi visto como um poeta político.
A poesia de Cabral, ao contrário dos “Violões de rua”, reunia em si o conteúdo social e a forma cuidadosa, mostrando que o autor pode valorizar, ao mesmo tempo, tanto a forma quanto o conteúdo. Para ilustrar a polêmica, recomendamos poemas do livro Poesia sobre poesia, de Affonso Romano de Sant’anna, em que ele ironiza com poemas ‘concretos’ esta oposição.
Quando a observação sobre a obra de um escritor tem um tom de acusação, certamente o observador se encontra do lado oposto. Aquele que diz que o poeta X é formalista e cerebral, provavelmente trabalha pouco os seus textos e se esconde atrás do elogio do espontaneísmo.
Merquior, por sua vez, nos lembra de que o tema do texto tem que ter “relevância humana”, afinal a literatura (ou qualquer outra arte) tem sempre o homem como ponto de partida e de chegada. Embora as palavras de Merquior possam parecer óbvias, elas nos remetem à também velha pergunta: “De que trata este poema?” Acontece que muitas vezes não temos respostas.
Não há também uma hierarquia temática, não há temas com peso maior do que outros. Há, sim, temas mais gastos, mais repetidos neste ou naquele período, típicos de um determinado estilo etc.
Não há tema novo sob o sol. A novidade, caso exista, é do tratamento dado a ele. O fato é que uma obra tem um modo de pensar e isto, sim, deixamos como proposta. Você reconhece o modo de pensar do poeta Y? Qual é a visão de mundo do escritor Z?

Um comentário:

  1. Sensacional!!
    Acho que você conseguiu um tom perfeito. Bota a gente pra refletir sobre como lidamos com a poesia, e com simplicidade. Acho que dá uma conversa. Vou ver se consigo.

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