domingo, 5 de abril de 2009

MAIS DO QUE DUAS OU TRÊS COISAS SOBRE O DOCUMENTÁRIO A PALAVRA ENCANTADA

O documentário, apesar de ser feito só com depoimentos, traz à tona questões sobre música e literatura que sempre são tema para muito debate. Acontece que em certos filmes (ficção ou documentário) várias vezes discutimos mais o tema ou o enredo do que o filme.
De qualquer forma, vamos assinalar alguns pontos.


1 – A velha (e não esgotada pelo jeito) pergunta se há diferença entre letra e poema aparece com freqüência no filme. Ficamos com o depoimento de Chico Buarque, que mais uma vez se diz letrista, e não poeta.
Como é considerado um dos maiores letristas de todos os tempos da MPB, é bom que seja o próprio compositor a dizer isto, pois Chico é de fato letrista, o que não o torna menor de quem é poeta, mas diferente.

2 – Poema e letra lidam com os mesmos recursos como ritmo, rima, figuras de linguagem, métrica etc, mas, mesmo assim, há diferenças na utilização dos recursos.

3 – O grau de comunicabilidade da letra é normalmente, por razões óbvias, muito maior do que o do poema.

4 – A letra trabalha com lugares-comuns que seriam mal vistos no poema. É, portanto, mais redundante, pois tem como finalidade atingir um público maior.

5 – A letra deve ser analisada junto da melodia, não isoladamente. Não é à toa que a maioria das letras perde força, quando sozinhas no papel.

6 – Quem diz que tal letra é um verdadeiro poema, na verdade está depreciando a letra, pois elogiá-la é compará-la a um poema. Neste caso, quem diz isto está considerando o poema como algo superior à letra, embora provavelmente não tenha esta intenção.

7 – Outra declaração também muito ouvida e equivocada é a seguinte:”Não há diferença entre letra e poema. Há a boa letra e o bom poema.” Em primeiro lugar, quem vai estabelecer os critérios para definir a letra boa ou a ruim?
Em segundo, a frase nos lembra outra repetida afirmação falaciosa sobre músicas erudita e popular, que também são diferentes, sim. Assim, como a música popular não é pior do que a erudita, a letra não é pior do que o poema. Mas não são, de modo algum, a mesma coisa.

8 – O fato de encontrar a função poética na letra não quer dizer que ela seja um poema, mas que há uma função poética, como há também na música, pintura, no teatro, no cinema, na dança, na escultura, na arquitetura ou até mesmo na publicidade. Em outras palavras, poema e poesia não são necessariamente a mesma coisa, ainda que no dia a dia usemos as duas palavras sem fazer a distinção de significado.

9 – É claro que existem letras que poderiam ser publicadas e não só gravadas. No entanto, trata-se, sem dúvida, de um número bem pequeno.

10 – Há poemas que se “prestam” mais a serem musicados do que outros, porque já possuem mais musicalidade em suas palavras.

11 – Como a maioria das letras de qualquer cancioneiro popular usa mais uma linguagem denotativa, quando o ouvinte percebe versos conotativos tem a tendência a chamar a letra de poema. Ora, a letra pode ser conotativa, como Construção do já citado Chico Buarque. Esta, sim, é uma letra que poderia ser lida sem música, tal a sua força imagística.

12 – O fato de encontrarmos uma imagem na letra não quer dizer que ela seja um poema, nem que seja boa. Lembremo-nos de que as letras usam muitos clichês e imagens gastas.

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