quarta-feira, 14 de outubro de 2009

ESTE POETA TAMBÉM É UM FINGIDOR



O menor poema da literatura brasileira é de autoria de Oswald de Andrade e tem só as palavras amor (o título) e humor (o poema) . Eis a base desta obra: a temática amorosa e o tratamento humorístico. Mas não estamos diante apenas de versos líricos, como o predomínio temático sugere. O autor alterna poemas que se inserem na tradição lírica com outros que desfazem o sentimentalismo através da ironia e do humor. Aqui encontramos a sua marca registrada, se é que podemos caracterizar o estilo de um escritor em seu livro de estréia. Sílvio Ribeiro de Castro opta na maioria das vezes por observar as várias faces do amor e analisá-las. O amor é visto em seu cotidiano e as situações são prosaicas e corriqueiras, sem qualquer aura romântica.
O binômio amor/humor não exclui outros temas que merecem a atenção do leitor: a infância e a família (escritos com tom nostálgico) e as reflexões existenciais (feitas sem dramaticidade). Estes dois núcleos justificam as memórias e confissões do título da obra. Neste caso, a veia cômica dá vez a abordagem intimista e o poeta recorda os dias em que fora feliz.
Formalmente, notamos uma poesia de vocabulário simples e decodificação imediata, própria para as apresentações feitas pelo autor em diversos palcos onde ocorrem os eventos literários da cidade. A reação das plateias, sempre com risos e aplausos, é o melhor exemplo da funcionalidade de seus versos. A estrutura rítmica e rímica são peças fundamentais de sua poética e base de sua oralidade, sendo frequente o uso dos discursos direto e indireto no mesmo poema.
Seus poemas, ainda quando não são narrativos, parecem ter uma história a ser dita, em que percebemos o encaminhamento para um clímax, para um desfecho muitas vezes inesperado, como é regra acontecer nas obras de hu-mor. Tal característica narrativa aparece não só na linguagem mas também nas inúmeras referências a tempo e a espaço e na presença de personagens.
Silvio Ribeiro de Castro é um poeta do verso, mais do que da palavra, e aí está a sua habilidade. Seus versos criam cenas e sequências, narram fatos e, portanto, se aproximam da prosa. Em Inspiração temos de fato uma pequena crônica. No entanto, seus textos não são prosa poética, porque o autor se utiliza quase sempre de um ritmo que o identifica com a poesia.
O poeta afirma, na apresentação, que seu livro trata de memórias, confissões e mentiras e, em um bem-humorado poema, termina dizendo que “só tem um defeito: mentir um pouco”. E, independente dos textos serem autobiográficos ou não, o que de fato pouco importa, como ele mesmo frisa, o autor se despersonaliza (ou se multiplica, como quiserem) em diversos “eus poéticos’ e escreve mentiras. Este mentir ficcional que mente que está mentindo é o “fingimento” que toda criação verdadeira requer. Portanto, não nos espantemos se, após leitura mais cuidadosa, percebamos que por trás de versos que motivam o riso, pela crítica, pela inversão de expectativa e pela reviravolta narrativa, há um sensação de lamento das coisas não serem diferentes. E o humor, então, dá lugar a uma nostalgia tímida. Ou estaria o autor, este mentiroso confesso, mais uma vez “fingindo” a poesia?

Marcus Vinicius Quiroga

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