quarta-feira, 17 de março de 2010


Poemas de Leminski



Livro: LA VIE EN CLOSE

editora brasiliense

vídeo postado em:

http://papopoetico.blogspot.com/


PROFISSÃO DE FEBRE

quando chove,

eu chovo,

faz sol,

eu faço,

de noite,

anoiteço,

tem deus,

eu rezo,

não tem,

esqueço,

chove de novo,

de novo, chovo,

assobio no vento,

daqui me vejo,

lá vou eu,

gesto no movimento



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RUMO AO SUMO


Disfarça, tem gente olhando.

Uns, olham pro alto,

cometas, luas, galáxias.

Outros, olham de banda,

lunetas, luares, sintaxes.

De frente ou de lado,

sempre tem gente olhando,

olhando ou sendo olhado.


Outros olham para baixo,

procurando algum vestígio

do tempo que a gente acha,

em busca do espaço perdido.

Raros olham para dentro,

já que dentro não tem nada.

Apenas um peso imenso,

a alma, esse conto de fada


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tudo é vago e muito vário

meu destino não tem siso

o que eu quero não tem preço

ter um preço é necessário,

e nada disso é preciso

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LÁPIDE 1

epitáfio para o corpo


Aqui jaz um grande poeta.

Nada deixou escrito.

Este silêncio, acredito,

são suas obras completas.


LÁPIDE 2

epitáfio para a alma


aqui jaz um grande artista

mestre em desastres


viver

com a intensidade da arte




ERRA UMA VEZ


nunca cometo o mesmo erro

duas vezes

já cometo duas três

quatro cinco seis

até esse erro aprender

que só o erro tem vez

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você está tão longe

que às vezes penso

que nem existo


nem fale em amor

que amor é isto

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IN HONORE ORDINIS SANCTI BENEDICTI


à ordem de são bento

a ordem que sabe

que o fogo é lento

e está aqui fora

a ordem que vai dentro


a ordem sabe

que tudo é santo

a hora a cor a água

o canto o incenso o silêncio

e no interior do mais pequeno

abre-se profundo

a flor do espaço mais imenso

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OUVERTURE LA VIE EN CLOSE


em latim

“porta” se diz “janua”

e “janela” se diz “fenestra”


a palavra “fenestra”

não veio para o português

mas veio o diminutivo de “janua”

“januela”, “portinha”,

que deu nossa “janela”

“fenestra” veio

mas não comoesse ponto da casa

que olha o mundo lá fora,

de “fenestra” veio “fresta”,

o que é coisa bem diversa


já em inglês

“janela” se diz “window”

porque por ela entra

o vento (“wind”) frio do norte

a menos que a fechemos

como quem abre

o grande dicionário etimológico

dos espaços interiores



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um bom poema

leva anos

cinco jogando bola,

mais cinco estudando sânscrito,

seis carregando pedra,

nove namorando a vizinha,

sete levando porrada,

quatro andando sozinho,

três mudando de cidade,

dez trocando de assunto,

uma eternidade, eu e você,

caminhando junto


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Paulo Leminski

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