terça-feira, 6 de outubro de 2009

A ARVORE SECA DE Alexei Bueno



O DESERTO É FÉRTIL

Na orelha e na quarta-capa de A árvore seca, entre as observações precisas de Alberto da Costa e Ivan Junqueira, encontramos a referência às formas fixas e ao uso rigoroso das rimas por Alexei Bueno. Tal observação parece trair um incômodo da poesia contemporânea, que, em boa parte, não admite mais a métrica e a rima (o que não é caso dos poetas acima citados), em nome de uma poesia que, por algum constrangimento, não se apresenta como a prosa que de fato o é. O patrulhamento, que data do modernismo de 20, retornou na década de 60 e vigora até hoje. Creio que há uma diferença entre à subserviência mecânica às formas fixas e a sua utilização. Optar pelo verso metrificado ou livre não é garantia de boa poesia, mas só uma opção. Alexei Bueno tanto sabe disto, que ora escolhe os versos livres, como em A via estreita e A juventude dos deuses, Entusiasmo e Os resistentes; ora, o poema em prosa como em A decomposição de Johann Sebastian Bach; ora, dedica-se às formas fixas como em As escadas da torre, Poemas gregos, Livros de haicais, Lucernário, Em sonho e A árvore seca.
Diria que a contribuição modernista não foi a oficialização do verso livre, mas a liberdade de poder usá-lo, tanto quanto o verso metrificado. E mais: de não classificar o verso como sendo de pé quebrado. Agrada-me muito quando João Cabral disse que metrifica por volta de oito sílabas, ou seja, hoje existem medidas livres, o que não é exatamente o verso livre, e esta, sim, é uma da maiores conquistas modernistas. No entanto, se um poeta como Paulo Henriques Britto usa algumas formas fixas, como soneto ou a sextina, parte da crítica e de seus pares se espanta.
Tal introdução se justifica porque há quem associe a forma fixa ao envelhecimento da poesia, vendo seus defensores como parte de uma tradição literária sem voz na contemporaneidade. Ora, só aceito que tradição seja uma palavra negativa, se proferida por um adolescente, não por um crítico adulto. Dizer que Alexei Bueno dá continuidade a uma tradição não é demérito para sua obra; nem seria mérito, se ele não o fizesse porque tem bagagem de leitura e mestria na elaboração de seus textos.
Em movimento de ida e vinda, Alexei não só alterna forma fixas e livres, como emprega um vocabulário literário ou não usual (ínscias, hirsutas, ubíquo, hirta, lactescentes, peanha) e palavras ou expressões mais coloquiais ou vulgares (boteco, bicha, merda, pinguço, puta, mija, coçar os testículos); observa o cotidiano da cidade e seu prosaísmo (mendigos, domésticas, ladrões, putas, praças, ruas, prédios, igrejas ) e trata com profundidade temas existenciais; ou funde o corriqueiro cenário urbano com as questões fundamentais da vida como em Nas mesmas ruas, em Bagatelas ou em Na confeita,ria Colombo.
Para exemplificar, vejamos como o poeta dá tratamentos bastante diversos à morte, que, em ser uma obsessão, aparece com significativa freqüência em A árvore seca: bem humorada em I.M.L. em La mort des pauvres, ou em Dessensibilização gradativa; social em Speculum Patriae; ou filosófica em A última visão.
Se a árvore é seca, o deserto que daí surge é fértil. A obra de Alexei Bueno requer releituras e não se extingue. Sem se perder na diversidade, varia temas e dicções, mantendo a unidade da reflexão e o sentimento de incômodo de estar neste mundo. Há intervalos para crítica e humor, mas a visão predominante é pessimista e o tom, sombrio. Não é desprovida de humanismo, mas de piedade. Em Na banca de Jornais e em Costumes, talvez atinja este clímax. Os poemas são desagradáveis, embora não nos mostrem mais horror do que as páginas diárias dos jornais. Vejamos alguns versos: “ PORCOS COMIAM A GRÁVIDA,/ Era a manchete gigante. Sob a foto repugnante/ A escória apinhava-se, ávida.” Ou “...Matou as crianças, comeu-as de entrada./E então bebeu a água da privada./Roeu os restantes, como lhe compete,/ Aí defecou em cima do tapete./Depois dormiu, aos roncos, noite afora,/Bem cedo incendiou tudo, e foi embora.”
Só como referência didática, lembramo-nos de Augusto dos Anjos em Visagem, em Justificativa ou em Malogrados ou pela visão sombria do mundo ou pela violência da linguagem. Aliás, registremos aqui tal característica do poeta. E para comprovarmos, vejamos alguns exemplos de sua adjetivação: inútil visão, braços extintos, rançosos lares, alma oca, pé elefantisíaco e pai mesquinho. Tais palavras mostram que atributos o poeta vê no homem e no mundo, como se respondesse à pergunta feita em Compromisso “Que sairá de bom da tua boca,/ Poeta, nesta estreita, inunda cloaca?”
Malgrado o humor, a ironia e a crítica de certos poemas, finda a leitura, o leitor é convidado a releituras para que possa pensar mais sobre este mal-estar da condição humana, que muitos intelectuais contemporâneos acham deselegante para as tertúlias dos “baixos” da vida. A árvore seca tanto nos oferece a afirmação cotidiana da vida na literalmente agradável filoso-fia de botequim de A perfeição, quanto os questionamentos sério de Crença, angustiado de Um ator de Plauto e pessimista de Cálculos, ou, ainda, o reconhecimento do duplo que há na poética de Alexei Bueno tão bem sintetizado no final de Possessão: “E sinto em cada músculo/Essa dúbia alegria/ Que é a de ansiar o dia/ Nos umbrais do crepúsculo.”

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