sexta-feira, 9 de outubro de 2009

EM BREVE À LUZ DAS ESTANTES, NOVO LIVRO DE AUGUSTO SÉRGIO BASTOS




Poesia: (re)composição da vida


O BRANCO IMPROVÁVEL de Augusto Sérgio Bastos

Quando um poeta lança o seu primeiro livro, após a juventude, há uma vantagem, a dele já ter encontrado o seu estilo, a de sua obra, portanto, não ser mais um ensaio, sem intenções estéticas. Este é o caso do poeta Augusto Sérgio Bastos. Ainda que se percebam as leituras de um certo Bandeira e um certo Drummond, seus poemas têm dicção própria. E é isto que primeiramente nos chama a atenção: os textos selecionados foram feitos ao longo de 5 anos e o mais antigo deles já demonstra um grau de maturidade literária. O poeta já se definiu esteticamente, embora isto não queira dizer que ele não flerte vez por outra com as vanguardas de 60 (Vida e Composição), não faça um soneto(O copo e o tempo e Da natureza) , ou não se aventure em um haicai (E de concreto).
Os vários e bons poemas metalinguísticos, mais os poemas-homenagem, em seu caso comprovam que o autor pensa o fazer poético e tem domínio de sua matéria; não são fruto de um modismo que se espalhou em todas as artes após a década de 70. Não mais só uma poesia sobre poesia, mas uma poesia que reflete de fato a elaboração de uma determinada obra. E os textos dedicados a Ferreira Gullar, Jorge Wanderley, Manuel Bandeira, João Cabral e a Dante Milano, o uso do verso de Claudio Manoel da Costa e as alusões a Cecília, a Raquel e a Clarice, mais que uma referência (reverência) literária, são exemplos de uma obra que mantém um diálogo com o melhor da nossa literatura. O autor sabe que não se escreve a partir do nada. Se o Modernismo de 22 trouxe mudanças significativas e insuperáveis, por outro lado teve a ingenuidade adolescente de querer fazer tábula rasa da arte anterior e perdeu tempo com poemas-piada e coisas no gênero. A intertextualidade implícita ou explícita que vemos nestes poemas, ao contrário, mostra que o autor tem ciência das ferramentas que elegeu para construir sua obra.
Há em Augusto, se me permitirem o lugar-comum, a busca da palavra exata. De uma palavra que escolha seu poema (como em Palavras), que “ estanque bem próximo à vida”, que traduza, em suma, o sentimento (jamais o sentimentalismo) de um instante prosaico e cotidiano (e nem por isto menos pleno de sentido) ou de um momento de reflexão existencial.
Algumas vertentes se delineiam com mais força neste livro: a da poesia-memória que busca resgatar o passado ou recriá-lo, a partir das observações feitas agora com a necessária distância, e o eu-lírico se identifica com o mundo da infância e seus objetos. Como, por exemplo, em Nem mesmo todo o oceano o autor diz “Alto-mar/auto-mar” que, com um jogo de palavras de alto-auto, o eu, ao pensar o mundo exterior, pensa o interior.
Em Casablanca, o poeta diz: ”A neblina em nossas retinas/acena a última cena/que às vezes quero mudar.” Ora, não estaria o poeta, neste permanente relembrar-se, querendo resgatar com a poesia o passado e refazê-lo, ao menos nos versos. No final deste mesmo poema, temos: ”Preciso viver este filme”, que corrige o verso inicial “Preciso ver este filme”. Parece que há aqui duas chaves da obra: o desejo de intervir poeticamente no tempo e o de igualar a vida à arte. Como se dissesse que cabe à arte tratar de matéria já vivida ou que é preciso viver o que se encontra latente sob a forma de arte.
A par deste memorialismo, há a questão do tempo predominando como temática: um tempo voraz, um tempo moroso, um tempo suspenso, um tempo secular ou até mesmo um tempo que substitui a matéria e o espaço ( “Não há estátuas nem lagos nem cisnes/só o tempo onde as coisas se cumprem” ). Observemos aqui de na parte dedicada ao tema do tempo, a maioria dos textos se refere à casa, cômodos, subúrbio..., unindo desta forma tempo espaço.
Notamos a presença forte de três verbos - ser, estar e haver -, que servem de base para uma poesia-sentença: “Em mim, o que é melhor está no mar/e o mais é verbo, sem esperança de poema” ( Duas águas ); “O tempo é sábado/ e estamos prontos para o susto” ( Sábado ); “A vida é breve e súbita” ( Pequena prece ); “É preciso/difícil/mágico ser pássaro” ( Des em canto ). Já o uso do haver, também frequente, nos faz pensar no olhar atento do poeta para as existências: o mundo que é e o mundo que existe. Cabe observar ainda que o eu lírico busca sempre se situar no espaço, com o qual se identifica. Temos a cozinha e o quintal da casa de subúrbio, da qual ele por vezes não se diferencia, a ponto de dizer: ”sou sete cômodos...sou musgo/casa de altos e baixos/subúrbio” ( Caminho de casa ). Através da memória, a vida é recomposta espacialmente: o subúrbio da infância, as montanhas, as praças e a praia da idade adulta se interpenetram e compõem a “pasárgada” poética, território privilegiado da imaginação.
A poesia do ser a que nos referimos apresenta outro desdobramento, o de criar oposições para depois desfazê-las a favor de uma afirmação. Daí ser sua marca a adversidade clara ou latente ( às vezes lemos um “mas” que está subentendido, não escrito ). São inúmeros os exemplos: “E este mar/batendo em mim / e numa outra manhã/ não é o tempo não é o tempo/ tem a voracidade do tempo” ( Não é o tempo ); “A pedra não é minha matéria” ( A palavra e a pedra); “ Mas o que em mim é rio... não se explica/está pulsando/se desgoverna/ é mar” ( Rio ); “Um vento tardio recolherá as últimas pegadas/ e nada disso será notícia de jornal” ( Notícia de jornal ); ou ainda, depois de pensar sobre as mazelas do país, termina com um verso isolado - “Hoje não quero falar do Brasil”( Presas de marfim ).
Esta adversidade é retórica. De fato, os versos definem, afirmam, equacionam, igualam, estabelecem identidades. Ou seja, a poesia compõe/recompõe a vida com um lirismo que “oscila entre o espelho e a memória”, fruto de uma linguagem precisa e inquieta que vê como em Dois Rios a existência dupla que só o olhar da palavra desvela.

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