sexta-feira, 26 de março de 2010

Poemas postados em audio em
http://papopoetico.blogspot.com/

PP XXXVI Igor Fagundes

Livro:
sete mil
tijolos e u-
ma parede
inacabada

Editora da Palavra

educação pela parede

A educação pela parede quer-se exata:
cada tijolo é uma escolha e uma alquimia.
Na casa o espaço imita a pedra cabralina
em dura guerra contra a dor que entranha a sala.

Veja o retrato que olha o tempo na parede
e dela espera um céu brotar, emoldurado,
como se nuvens fossem cal, cimento, rede
e se pudesse ler um verso atrás dos quadros.

Pois toda imagem se faz corte pelo meio,
cabe ao que habita a arquitetura completá-la:
romper as portas, sempre, todas, para ver-se
por dentro e fora e remontar o que se estraga.

E se mil portas há nos tetos e nos textos
e se outras mortas vão tecendo copos, pratos,
há uma parede dentro deles, pelos atos
que se refletem no invisível dos espelhos.

A educação pela parede quer-se exata,
mas o que é do homem foge ao cálculo e à régua.
O traço pode impor-se s nós e não o inverso,
nos resta o jogo entre o que ocorre e o que se espera.

No aprendizado do concreto no abstrato,
além de muros pelas folhas e objetos,
outro se oferta, grita em nós, aqui se cala:
por dentro, eterna, uma parede nos amarra.

( experimente reler brincando )


PP XIV Manuel Bandeira – antologia 1


ESTRELA DA VIDA INTEIRA


Estrela da vida inteira.

Da vida que poderia

Ter sido e não foi. Poesia,

Minha vida verdadeira.




A CINZA DAS HORAS


EPÍGRAFE


Sou bem-nascido. Menino,

Fui, como os demais, feliz.

Depois, veio o mau destino

E fez de mim o que quis.


Veio o mau gênio da vida,

Rompeu em meu coração,

Levou tudo de vencida,

Rugiu como um furacão,


Turbou, partiu, abateu,

Queimou sem razão nem dó–

Ah, que dor!

Magoado e só,

–Só! – meu coração ardeu.


Ardeu em gritos dementes

Na sua paixão sombria…

E dessas horas ardentes

Ficou esta cinza fria.


– Esta pouca cinza fria.



DESENCANTO


Eu faço versos como quem chora

De desalento… de desencanto…

Fecha meu livro, se por agora

Não tens motivo nenhum de pranto.


Meu verso é sangue. Volúpia ardente…

Tristeza esparsa… remorso vão…

Dói-me nas veias. Amargo e quente,

Cai, gota a gota, do coração.


E nestes versos de angústia rouca

Assim dos lábios a vida corre,

Deixando um acre sabor na boca.


– Eu faço versos como quem morre.




CHAMA E FUMO


Amor – chama, e, depois, fumaça…

Medita no que vais fazer:

O fumo vem, a chama passa…


Gozo cruel, ventura escassa,

Dono do meu e do teu ser,

Amor – chama, e, depois, fumaça…


Tanto ele queima! e, por desgraça,

Queimado o que melhor houver,

O fumo vem, a chama passa…


Paixão puríssima ou devassa,

Triste ou feliz, pena ou prazer,

Amor – chama, e, depois, fumaça…


A cada par que a aurora enlaça,

como é pungente o entardecer!

O fumo vem, a chama passa…


Antes todo ele é gosto e graça.

Amor, fogueira linda a arder!

Amor – chama, e, depois, fumaça…


Porquanto, mal se satisfaça

(como te poderei dizer?…),

O fumo vem, a chama passa…


A chama queima. O fumo embaça.

Tão triste que é! Mas… tem que ser…

Amor – chama, e, depois, fumaça…

O fumo vem, a chama passa…



CARTAS DE MEU AVÔ


A tarde cai, por demais

Erma, úmida e silente…

A chuva, em gotas glaciais,

Chora monotonamente.


E enquanto anoitece, vou

Lendo, sossegado e só,

As cartas que meu avô

Escrevia a minha avó.


Enternecido sorrio

Do fervor desses carinhos:

É que os conheci velhinhos,

Quando o fogo era já frio.


Cartas de antes do noivado…

Cartas de amor que começa,

Inquieto, maravilhado,

E sem saber o que peça.


Temendo a cada momento

Ofendê-la, desgostá-la,

Quer ler em seu pensamento

E balbucia, não fala…


A mão pálida tremia

Contando o seu grande bem.

Mas, como o dele, batia

Dela o coração também.


A paixão, medrosa dantes,

Cresceu, dominou-o todo.

E as confissões hesitantes

Mudaram logo de modo.


Depois o espinho do ciúme…

A dor… a visão da morte…

Mas, calmado o vento, o lume

brilhou, mais puro e mais forte.


E eu bendigo, envergonhado,

Esse amor, avô do meu…

Do meu – fruto sem cuidado

Que ainda verde apodreceu.


O meu semblante está enxuto.

Mas a alma, em gotas mansas,

Chora, abismada no luto

Das minhas desesperanças…


E a noite, vem, por demais

Erma, úmida e silente…

A chuva, em gotas glaciais,

Cai melancolicamente.


E enquanto anoitece, vou

Lendo, sossegado e só,

As cartas que meu avô

Escrevia a minha avó.


Um comentário:

  1. Olá, Eduardo!
    Uma delícia, este blog, um lugar para passear com frequência.
    Gostaria que você passasse lá no meu Inscrições
    http://inscries.blogspot.com
    Não costumo ser assim tão direta :D, mas conhecendo seu trabalho como conheço, acho importante saber sua opinião.

    Grande grande abraço e até breve.

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