PP XIV Manuel Bandeira – antologia 1
ESTRELA DA VIDA INTEIRA
Estrela da vida inteira.
Da vida que poderia
Ter sido e não foi. Poesia,
Minha vida verdadeira.
A CINZA DAS HORAS
EPÍGRAFE
Sou bem-nascido. Menino,
Fui, como os demais, feliz.
Depois, veio o mau destino
E fez de mim o que quis.
Veio o mau gênio da vida,
Rompeu em meu coração,
Levou tudo de vencida,
Rugiu como um furacão,
Turbou, partiu, abateu,
Queimou sem razão nem dó–
Ah, que dor!
Magoado e só,
–Só! – meu coração ardeu.
Ardeu em gritos dementes
Na sua paixão sombria…
E dessas horas ardentes
Ficou esta cinza fria.
– Esta pouca cinza fria.
DESENCANTO
Eu faço versos como quem chora
De desalento… de desencanto…
Fecha meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.
Meu verso é sangue. Volúpia ardente…
Tristeza esparsa… remorso vão…
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.
E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.
– Eu faço versos como quem morre.
CHAMA E FUMO
Amor – chama, e, depois, fumaça…
Medita no que vais fazer:
O fumo vem, a chama passa…
Gozo cruel, ventura escassa,
Dono do meu e do teu ser,
Amor – chama, e, depois, fumaça…
Tanto ele queima! e, por desgraça,
Queimado o que melhor houver,
O fumo vem, a chama passa…
Paixão puríssima ou devassa,
Triste ou feliz, pena ou prazer,
Amor – chama, e, depois, fumaça…
A cada par que a aurora enlaça,
como é pungente o entardecer!
O fumo vem, a chama passa…
Antes todo ele é gosto e graça.
Amor, fogueira linda a arder!
Amor – chama, e, depois, fumaça…
Porquanto, mal se satisfaça
(como te poderei dizer?…),
O fumo vem, a chama passa…
A chama queima. O fumo embaça.
Tão triste que é! Mas… tem que ser…
Amor – chama, e, depois, fumaça…
O fumo vem, a chama passa…
CARTAS DE MEU AVÔ
A tarde cai, por demais
Erma, úmida e silente…
A chuva, em gotas glaciais,
Chora monotonamente.
E enquanto anoitece, vou
Lendo, sossegado e só,
As cartas que meu avô
Escrevia a minha avó.
Enternecido sorrio
Do fervor desses carinhos:
É que os conheci velhinhos,
Quando o fogo era já frio.
Cartas de antes do noivado…
Cartas de amor que começa,
Inquieto, maravilhado,
E sem saber o que peça.
Temendo a cada momento
Ofendê-la, desgostá-la,
Quer ler em seu pensamento
E balbucia, não fala…
A mão pálida tremia
Contando o seu grande bem.
Mas, como o dele, batia
Dela o coração também.
A paixão, medrosa dantes,
Cresceu, dominou-o todo.
E as confissões hesitantes
Mudaram logo de modo.
Depois o espinho do ciúme…
A dor… a visão da morte…
Mas, calmado o vento, o lume
brilhou, mais puro e mais forte.
E eu bendigo, envergonhado,
Esse amor, avô do meu…
Do meu – fruto sem cuidado
Que ainda verde apodreceu.
O meu semblante está enxuto.
Mas a alma, em gotas mansas,
Chora, abismada no luto
Das minhas desesperanças…
E a noite, vem, por demais
Erma, úmida e silente…
A chuva, em gotas glaciais,
Cai melancolicamente.
E enquanto anoitece, vou
Lendo, sossegado e só,
As cartas que meu avô
Escrevia a minha avó.
Olá, Eduardo!
ResponderExcluirUma delícia, este blog, um lugar para passear com frequência.
Gostaria que você passasse lá no meu Inscrições
http://inscries.blogspot.com
Não costumo ser assim tão direta :D, mas conhecendo seu trabalho como conheço, acho importante saber sua opinião.
Grande grande abraço e até breve.