Tanussi Cardoso
Livro:
50 POEMAS ESCOLHIDOS PELO AUTOR
Edições Galo Branco
GESTOS
O que vem de dentro
pudera nunca se exprimir
palavra
O que vem de dentro
é ouro
puro silêncio
pudera nunca se exprimir
mundo
O que vem de dentro
é tudo
só se pode exprimir
mudo
TEIAS
Alimentar aranhas,
eis o meu ofício.
Deixá-las criar tentáculos.
Moscas mansas
apaixonadamente sangrar.
Cuidá-las para tecer
os pequenos vícios
do seu tear:
venenos sutis
tatos improváveis
-vivê-las.
Redescobrir as cores
as sedes e as sedas.
Entrelaçar as sendas
do meu destino nelas:
véus de astúcia
morte e viuvez.
Decifrar sua dança:
rede de valsas
fios de arame.
Aprender com elas
o ritmo do salto.
COMO SE NÃO FOSSE ADEUS
A vida se vai como o gelo se desfaz:
lento, frio, queimando as mãos.
Nem as baratas me comovem mais.
Nem as moscas. Nem os cães.
(Dentro de mim,
a família é um osso a estalar.)
Pergunto se o cego que vê Deus
enxergará.
Debaixo do seu peso insustentável
o amor não responde.
Sonhei ser belo como os italianos
e, espantalho,
meu corpo se deteriora com o vento.
O verso e seu silêncio não me salvam.
E por mais que tente
sou menor que minha esperança.
Entretanto, não quero escrever sobre paredes.
Paredes não sangram.
DAS CONFIGURAÇÕES
Meus olhos fixos na cristaleira antiga.
Há qualquer coisa de eterno em seu mármore,
em seu orgulhoso espelho coberto de tempo.
(Quantos já choraram seus licores?)
Meus olhos fixos na cristaleira antiga.
Há sombras de valsas, de tangos, de bailes, de
[flautas e pianos.
Há vidas em suas poeiras. Há mãos.
Estou a um passo de algo que desconheço,
[mas intuo.
Estou a um passo da loucura. Ou da utopia.
Estou a um passo do que poderia ter sido:
eu diante de mim-cristaleira muda.
Estou aqui. Pedra fixa em um ponto qualquer.
Aprendendo o pássaro
– pés presos no salto; asas presas no vôo.
(Como a Arte que persiste em me apontar falhas.)
Ousando unicamente a possibilidade do poema.
[Ou do futuro.
Como um cego a flutuar no escuro.
A um passo da Morte. Ou a um passo de Deus.
ORÁCULO
mas não quero falar disso agora.
preciso modular minha FM preferida.
acertar minhas ondas hertzianas. jogar meus vídeos.
ver minha TV desfocada.
terminar meu quadro imaginário.
pensar palavras nunca escritas.
ser inteligente. admirável. bonito. e olhos espertos.
[galantes.
ouvir marvin gaye em CD.
ceder às minhas idiossincrasias. polissemias. hipérboles.
[agonias.
curtir meus deuses injustos. meus canibais preferidos.
minhas chuvas de abril. meu rock sem sexandrugs.
minhas vertigens. delírios. minhas camas desfeitas.
meus uis. ais. meus apótemas.
me perguntar o que é apótema.
fazer teses de gaveta. construir teias, telas, estratagemas.
GEMAS.
mas não quero falar disso agora.
entenda. pegar meu barco à vela. meu travesseiro.
meu lexotan. minha incoerência.
eu X o tempo.
eu questionário incorrigível.
eu X eu - matemática imponderável.
preciso de um céu imprevisível.
uma morte não anunciada.
um sofrimento exato e incontrolável.
um mar. viajar em sereias e trepar com deusas insensatas.
não ter medo de deus. não ter medo de adeus.
[não ter medo de.
veludos azuis. abajur vermelho. tangos e
[boleros. facas agudas.
samambaias penduradas na sala de jantar.
mortos passeando nos jardins. um filme de
[Mojica Marins.
mas não quero falar disso agora.
tantas idas e vindas. dor no coração fodido.
vôo e nem acredito.
vôo e nem domingo.
sábado e nem comigo.
vôo e nem futuro.
só preciso disso:
a paz inalcançável do gesto da mão no ar no vento
como um corte lento e gosmento.
silencioso. brutalmente silencioso.
como um poema. límpido como um santo caído
[das nuvens.
como um poema. gênesis.
como um poema. estupidamente triste.
como um poema. sutil e inacabado.
como um poema. belo e qualquer.
mas não quero falar disso agora.
Manuel Bandeira - Antologia 3
Livro: Carnaval
Vulgívaga
Não posso crer que se conceba
Do amor senão o gozo físico!
O meu amante morreu bêbado,
E meu marido morreu tísico!
Não sei entre que astutos dedos
Deixei a rosa da inocência.
Antes da minha pubescência
Sabia todos os segredos…
Fui de um… Fui de outro… Este era médico…
Um, poeta… Outro, nem sei mais!
Tive em meu leito enciclopédico
Todas as artes liberais.
Aos velhos dou o meu engulho.
Aos férvidos, o que os esfrie.
A artistas, a coquetterie
Que inspira… E aos tímidos – o orgulho.
Estes, caçô-os e depeno-os:
A canga fez-se para o boi…
Meu claro ventre nunca foi
De sonhadores e de ingênuos!
E todavia se o primeiro
Que encontro fere toda a lira,
Amanso. Tudo se me tira.
Dou tudo. E mesmo… dou dinheiro…
Se bate, então como estremeço!
Oh, a volúpia da pancada!
Dar-me entre lágrimas, quebrada
Do seu colérico arremesso…
E o cio atroz se me não leva
A valhacoutos de canalhas,
É porque tremo pela treva
O fio fino das navalhas…
Não posso crer que se conceba
Do amor senão o gozo físico!
O meu amante morreu bêbado,
E meu marido morreu tísico!
DEBUSSY
Para cá, para lá…
Para cá, para lá…
Um novelozinho de linha…
Para cá, para lá…
Para cá, para lá…
Oscila no ar pela mão de uma criança
(Vem e vai…)
Que delicadamente e quase a adormecer o balança
—Psio… —
Para cá, para lá…
Para cá e…
– O novelozinho caiu.
A DAMA BRANCA
A Dama Branca que eu encontrei,
Faz tantos anos,
Na minha vida sem lei nem rei,
Sorriu-me em todos os desenganos.
Era sorriso de compaixão?
Era sorriso de zombaria?
Não era mofa nem dó. Senão,
Só nas tristezas me sorriria.
E a Dama Branca sorriu também
A cada júbilo interior.
Sorria como querendo bem.
E todavia não era amor.
Era desejo? – Credo! De tísicos?
Por histeria… quem sabe lá?…
A Dama tinha caprichos físicos:
Era uma estranha vulgívaga.
Era… era o gênio da corrupção.
Tábua de vícios adulterinos.
Tivera amantes: uma porção.
Até mulheres. Até meninos.
Ao pobre amante que lhe queria,
Se lhe furtava sarcástica.
Com uns perjura, com outros fria,
Com outros má,
— A Dama Branca que eu encontrei,
Há tantos anos,
Na minha vida sem lei nem rei,
Sorriu-me em todos os desenganos.
Essa constância de anos a fio,
Sutil, captara-me. e imaginai!
Por uma noite de muito frio,
A Dama Branca levou meu pai.
Poxa! fiquei zonzo. E com vontade de não-sair!
ResponderExcluirParabéns pelo blogue.
Abraço.
poema surgido após leitura de Auto-estrada para Tebas de Marcus Vinícius Quiroga
ResponderExcluirMNÉMÊ(NTIRA)
a Marcus Vinícius Quiroga
O que é o real diante da dor avara
árida dádiva burilada de, num repente
fidedignamente sentir-se vivo?
O que senão derivação de sonho?
A ponta fina da agulha, aguilhão
aguilhoando a besta-fera da vida.
O que é para ser do amor inventado
para a consumação metafísica
e que é capaz, senão de ser
o amor maior do mundo
de certo, sempre, um amor maior
que o do ser amado.
Da realidade, só a mentira tísica
justa e cristalina, antropomórfica
estrada plana para o auto-engano
fenomenologia escassa
para a hipossuficiência.
O que é o viver, senão
o que ao sentido se já retira
como no circo de cavalinhos;
verdade atrelada a ausência
mas que cavalga
a toda brida sob o pano.
Ricardo Reis 2010
Oi Marcos
ResponderExcluirAqui é o Hugo Virgilio que participou do bate papo com você na oficina literaria gostei muito e volte sempre.
E-mail: huguinho.pzr@hotmail.com
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